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COMO SOBREVIVEM OS MUSEUS

Por: Izabela Queiroz e Sarah Oliveira

Publicado em 19/11/19

Os museus desenvolvem mais do que somente o papel de guardar coisas antigas em um local, esses espaços culturais  tem a grande missão de preservar e registrar partes da história sendo um importante instrumento de preservação da memória cultural e educacional de uma sociedade.

Os 200 anos do primeiro museu no Brasil foram comemorados em 2018, mas ainda assim, muitas são as problemáticas enfrentadas para que os museus estejam de pé e em seu pleno estado de conservação, trazendo uma reflexão sobre como a falta de verbas e proteção aos acervos públicos é escassa, pouca divulgação pela mídia e demissão de funcionários afetam esses espaços, assim, causando tragédias como os incêndios que ocorreram no Museu nacional no Rio de Janeiro e o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.

Essas dificuldades são enfrentadas diariamente e os museus se viram obrigados a se adaptarem a essa realidade, buscando formas de superá-las, com ou sem ajuda governamental.

Afinal, como sobrevivem os museus?

 

Finanças

Os museus brasileiros, em sua maioria, são públicos e ligados a uma esfera municipal, federal ou estadual e dependem de recursos públicos para que sobrevivam. Museus privados têm fontes de receitas diversas que podem ser desde recursos de seus mantedores até recursos obtidos com bilheteria, sessão de espaços e etc. Tanto museus públicos quanto museus privados podem captar recursos se valendo de mecanismos de renúncia fiscal. Nesse caso eles apresentam um projeto, esse projeto é submetido à análise e caso seja aprovado eles têm a chancela do governo para captar junto ao setor privado recursos para executá-lo. Contudo, os valores que esses espaços recebem, geralmente são menores que o valor solicitado e destinado apenas às necessidades básicas do local.

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A pinacoteca do estado de São Paulo construída em 1900 por Ramos de Azevedo e Domiziano Rossi, hoje um dos maiores museus do estado./ Foto: Izabela Queiroz 

A cultura acaba não fazendo parte das prioridades políticas e públicas, os recursos destinados na Cultura nos orçamentos das três esferas de governo são muito pequenos - da ordem de menos de 1% e com isso, o corte de verbas se torna presente e a ausência de funcionários também. No ano de 2015, após 15% da verba destinada para a cultura ser cortada pelo governo do estado de São Paulo, a Pinacoteca, o MIS (Museu da Imagem e do Som) e o Museu Afro demitiram 72 pessoas ao todo.

Além disso, em abril de 2019 houve corte de quase 23% do orçamento anual da Secretaria da Cultura e Economia Criativa, porém o contingenciamento de 23% acabou sendo revertido devido à articulação da Secretaria de Cultura e das principais organizações do setor, caso não tivesse sido realizado, o corte traria, diante as diversas consequências, os cancelamentos de exposições, demissão de funcionários, redução dos horários de funcionamento e interrupção de programas.

Ademais, em sete de novembro de 2019 a secretária da cultura foi transferida do ministério da cidadania para o ministério do turismo, Diana Poepcke, representante regional de Museus no SISEM e fundadora do museu virtual MuMan disse em depoimento ao Antiquário Moderno que a cultura se relaciona com a educação, turismo, entretenimento, a cidadania, o esporte, sendo multifacetada, por isso é muito importante que tenha um órgão que esteja cuidando disso e pensando nisso, por que quando colocada numa pasta só, ela fica restrita e acaba limitando toda a capacidade que os projetos podem ter, além de um potencial econômico.

 

Problemas estruturais

Mesmo com órgãos como o Estatuto e a Política Nacional de Museus que visam à segurança e a conservação dessas instituições, devido aos cortes e as dificuldades financeiras que enfrentam, memórias tem sido fechadas e queimadas ao longo dos anos e muitos se veem obrigados a fechar as portas, seja permanentemente ou de forma temporária por problemas estruturais, visto que não tiveram atenção devida antes.

O museu do Ipiranga foi um dos afetados pelo estado de sua estrutura e que tem sua previsão de abertura para 2022, nove anos após ser interditado. Em 2013 foi fechado por apresentar rachaduras e umidade nas paredes, causadas pela tinta utilizada que forma uma camada plástica que não permite que as paredes respirem. Desde seu fechamento, mais de 30 mil objetos foram transferidos para imóveis da Universidade de São Paulo (USP), enquanto outra parte está no Palácio dos Bandeirantes para a visitação do público.

O Museu Nacional, caso mais recente dos que sofreram com o descaso que gerou incêndios e perdas irreparáveis na nossa cultura sofreu esse desastre em setembro de 2018, causado por um ar-condicionado que não foi corretamente ligado a tomada, gerando a aniquilação de parte do acervo e de nossa história, incluindo o crânio de Luzia, um dos fosseis mais antigos que fez com que as teorias de povoamento mudassem.

Há três anos, em 21 de dezembro tivemos o incêndio no Museu da Língua Portuguesa causado por falta de reformas, aonde um curto-circuito teria iniciado o fogo, chegando até mesmo a matar um bombeiro civil, Ronaldo Ferreira da Cruz que tentava combater as chamas que se alastraram rapidamente. Atualmente, visitas às obras foram permitidas.

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Visitação as obras do museu da língua portuguesa tem como objetivo inserir e reconectar o espaço á sociedade./ Foto: Izabela Queiroz

Falta de Público e Divulgação

Os museus se fazem presentes na mídia, como no programa Conhecendo Museus na TV Brasil que é voltado totalmente para esse universo, porém, além desse programa não existem outros conhecidos pela população e a divulgação desses espaços acaba ocorrendo somente aos finais de semana ou quando recebem exposições estrangeiras.

Essa falta de mídia ocorre tanto por uma questão econômica e de preferências do veículo midiático, quanto pela linguagem dos museus, pois existe um distanciamento entre a linguagem que o museu utiliza e a linguagem que hoje em dia a população quer consumir.

O brasileiro tem preferência pela arte exterior, inferiorizando a cultura brasileira, segundo a BBC Brasil “O museu nacional teve menos visitantes em 2017 do que o número de brasileiros que visitaram o museu do Louvre na França no mesmo ano”, ou seja, mesmo após anos de independência, o sentimento herdado do Brasil colônia ainda persiste de inferioridade e supervalorização do que é europeu.

Consequentemente, por não se tratar de um espaço de cultura popular, e não existir a divulgação devida, os museus não atraem tanto público, a população brasileira não tem o hábito de visitar museus já que por ter sido um espaço inicialmente destinado e criado para a elite, ainda hoje restam resquícios dessa época no imaginário da população, que muitas vezes enxergam os museus somente como um lugar que se guarda antiguidades.

Além da falta de verba, por falta de público não existem tantos espaços de memória como é imaginado. Segundo o IBGE em 2015 dos mais de 5.570 municípios somente 27,2% possuem museus.

Em São Paulo, maior metrópole do país e reconhecida como um dos grandes centros culturais brasileiros, não é diferente, como informa a pesquisa da Rede Nossa São Paulo, apontando que de 90 distritos da cidade, 60 não possuem museus.

Como sobrevivem então?

Ações

Os museus contam com ações como:

 A Primavera dos Museus coordenada pelo Ibram que todos os anos reservam um tema para nortear as atividades nos museus.

Semana de Museus traz eventos que vão desde mostras e oficinas, a visitas guiadas, debates e apresentações musicais.

Jornada do Patrimônio, evento que convida a população para conhecer e explorar os pontos históricos, de memória e de identidade da cidade.

Também muito conhecido o Expresso Acesso é uma iniciativa que conta com uma linha gratuita de transporte a fim de trazer os museus para o cotidiano da população e torna-los mais acessíveis.

Já para o público jovem, Escola Vem ao Museu é um projeto que conta com a participação de professores para levar grupos de alunos a esses espaços, incentivando-os a explorarem através de atividades interativas suas histórias, além de doações de livros para preencherem acervos.

Essas ações são importantes para:

  • Promover, divulgar e valorizar os museus brasileiros

  • Aumentar o público visitante

  • Intensificar a relação dos museus com a sociedade

 

Patrocínio Privado e doações

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Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) foi inaugurado a 72 anos atrás sendo hoje uma das mais importantes instituições culturais do país./ Foto: Izabela Queiroz

Esse método tem grande relevância aos museus públicos e privados, pois permitem que suas atividades, exposições, ações educativas e acervos sejam ampliadas e aprimoradas, além de colaborar para a conservação desses espaços e de suas obras, como o Museu de Arte de São Paulo, o MASP, que vivia a beira da falência em 2013 até um grupo de empresários patrocinarem o museu e o mesmo passar por um processo de reestruturação que resultou num crescimento entre 2013 e 2016.

Esse patrocínio advém de empresas, e pode ser realizado por recursos diretos ou por meio de leis de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet e a Lei Estadual PROAC ICMS. Museus como, o MoMa nos Estados Unidos, o Tate Modern na Inglaterra e o famoso Museu do Louvre utilizam do patrocínio privado para manter sua estrutura e expandir seus acervos.

As doações, de pessoas físicas ou empresas, agem da mesma maneira que os patrocínios nessas instituições e podem ser realizadas aos museus que compõem a rede do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) na Associação de Amigos de cada instituição.

 

Tecnologia

A tecnologia se tornou uma aliada dos museus, tal inovação permite que se tornem mais atrativos e quebram a ideia de que é um lugar antiquado e cansativo.

Porém, cada museu tem suas particularidades e as tecnologias usadas devem atender a esses requisitos, estando atentos a experiência do usuário em cada uma das instituições, qual o seu objetivo e como esse método vai ajudar a atingi-lo, assim não tirando de evidencia o acervo e enriquecendo a vivência do visitante.

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O museu do catavento conta com telas touchscreen, projeções e o audiovisual para acrescentar em sua narrativa e permitir ao visitante uma experiência mais detalhada./ Foto: Izabela Queiroz

Além disso, esse recurso também foi aderido como forma de garantir que os acervos sejam mais difíceis de perder e permitir que o público tenha acesso a esse acervo com um clique.

Vilma Campos, Produtora Cultural que realiza exposições temporárias no Brasil e no exterior diz: “Não há como você construir hoje bases de dados em que constem dados gerais sobre a coleção, rotinas de higienização, participação das obras em exposições etc no papel. Os museus fizeram isso por muito tempo, alguns hoje ainda fazem, outros têm dificuldade de recuperar informações relacionadas às suas coleções e isso é um problema sério porque impacta a atividade do museu como um todo”. 

Vilma continua “Além das questões ligadas à segurança, como por exemplo, o IPHAN tem no seu site uma relação de bens culturais desaparecidos que foram retirados dos seus locais de origem pelos mais variados motivos. Uma das grandes dificuldades em reaver esses bens é a falta de informações detalhadas sobre essas peças. Em muitos casos não há imagens desses bens o que vai dificultar enormemente a sua recuperação”.

Sendo assim, muitos museus já usam esse meio, como o maior museu de arte do mundo e o mais importante de Paris, o Louvre, que conta com o acervo digitalizado e permite também um tour virtual que leva o visitador a conhecer todo o local e os detalhes das obras.

Redes sociais

As redes sociais conectam o público com os museus, permitindo interação entre eles, assim, as redes sociais acabam se tornando grandes aliados na busca por visitas.

Diana Poecke diz que a virtualidade já é intrínseca na nossa sociedade e continua “A empresa que você vai comprar algo ou contratar algum serviço: a primeira coisa que você faz é dar umas stalkeada no Facebook, no Instagram, dar uma olhada no que essa pessoa faz qual a reputação dela, isso já é inerente do nosso comportamento humano na contemporaneidade. Então o museu precisa estar incluído ali também, precisa marcar sua presença nas redes sociais, ter essa presença como a gente tem. É uma maneira de angariar público, de comunicar de novas formas o seu acervo, fazer com que sua narrativa, sua ideia, seu objetivo, sua missão, seus valores cheguem para um público muito maior, para além das pessoas que o vistam. O alcance das redes sociais é internacional”.

Para isso, as páginas oficiais dessas instituições fazem postagens diárias, mostrando ao leitor a programação do local e muitas vezes contam com a participação de seus visitantes para realizar as postagens, fazendo uso das hashtags que reúnem informações relacionadas e os stories com vídeos e fotos rápidas que chamam a atenção da sociedade.

 

Exposições interativas e inclusivas

Diana Poepcke afirma “a gente tem uma imagem de que em museu, nada pode tocar, e de fato, determinados acervos a gente não pode tocar, precisamos pensar nas medidas de conservação desse acervo, mas o museu precisa estar de alguma forma mais próxima do visitante, ele precisa abraçar o visitante”.

Com isso, esses métodos ganham força na sociedade atual por tirar o visitante de seu lugar comum, que age somente como um apreciador e o insere como um dos elementos principais da exposição, onde o visitante interage com a obra, gerando uma aproximação entre criador e observador além de permitir a sociedade uma maneira mais dinâmica e espontânea de adquirir conhecimento nos museus como na exposição “Leonardo da Vinci – 500 anos de um gênio” – no MIS-SP que é totalmente imersiva com reproduções em tamanho real da arte renascentista e versões em telas sensíveis ao toque.

Vilma Campos, afirma que “Indiscutivelmente é um recurso importante porque permite aos museus se aproximar de faixas de públicos mais ligadas a novas tecnologias e em alguns casos permite a criação de novas narrativas, aí inteligíveis a todos os públicos”.

O MAM (Museu de Arte Moderna) é um dos museus mais acessíveis, tanto por não ter barreiras físicas entre a mostra e o visitador quanto por contar com o programa Olhar de Perto que tem como objetivo a inclusão dos deficientes visuais, permitindo que experienciem arte por meio da percepção sensorial.

Seguindo a inclusão, o Museu do Prado em Madri, em 2015, trouxe a mostra “Hoy Toca El Prado” aonde foram expostas seis réplicas de obras famosas, como a Monalisa de Leonardo DaVinci que contém volumes impressos com tinta especial e aplicações de texturas afim de trazer a sensação de pertencimento, compreensão e inclusão.

A Pinacoteca do Estado de São Paulo fornece visitas guiadas com profissionais que descrevem as pinturas, utilizando de materiais pedagógicos e espaços reservados além da visita ser em libras, além da galeria tátil de obras brasileiras que foi realizada após indicações do público com deficiências visuais.

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A exposição adere também ao audioguia especialmente para o público alvo participante da exposição./ Foto: Izabela Queiroz

Oficinas e Cursos

Uma das estratégias utilizadas a fim de aumentar o público foram as Oficinas e Cursos que tem como objetivo ensinar um novo ofício referente ao museu ou exposição vigente ao visitante, assim como no Lasar Segall que oferece cursos e oficinas nas áreas de gravura, fotografia e literatura.

Ingressos e visitas educativas

A venda de ingressos se tornou essencial para manter os museus abertos, o valor cobrado colabora para que esses locais se mantenham vivos e em funcionamento. A verba pode ser utilizada tanto para manutenções básicas no ambiente ou até mesmo para abertura de novas exposições.

As visitas realizadas por agendamento prévio por parte das escolas são uma ótima maneira de incluir a cultura desses espaços para as novas gerações, mostrando para jovens sua importância perante a sociedade de forma leve e educativa.

 

 

Esses espaços de memória sobrevivem com a adaptação em meio as adversidades, as ações realizadas tem grande importância nessa saga visto que a sociedade atual é ativa em todos os aspectos da vida cotidiana, desde o uso do smartphone até a participação nas mídias tradicionais, sendo assim, a forma utilizada foi incluir esse público aos museus, fazendo dele parte do acervo. Com os visitantes, os museus conseguem recursos e assim garantem sua sobrevivência a essa dura conjuntura em que se encontram.

@Antiquário Moderno 2019

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