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Felipe Morozini: Capítulos da intervenção artística no Minhocão

“Desde pequeno eu faço coisas que são diferentes dos meus irmãos, diferente dos meus amigos. Eu tenho um olhar mais sensível, mais poético” — é assim que Felipe Morozini explica sua relação intrínseca com a arte ao Antiquário Moderno. O poeta, fotógrafo, ativista, curador e criador brasileiro, é formado em direito, mas deixou a área de graduação ao entender que artista também é profissão.


Entrando de cabeça no mundo das artes, Morozini se muda para o apartamento de sua bisavó por volta de seus vinte e poucos anos, onde não só sua relação com as diferentes manifestações artísticas se torna mais próxima, mas também a sua história com o Elevado Presidente João Goulart, também conhecido como Minhocão, acaba ganhando novos capítulos.


Isso acontece, pois, ainda que tenha passado a morar neste local já na fase adulta, a conexão entre Morozini e a via expressa elevada que conecta o Centro à Zona Oeste da capital paulista surgiu ainda na infância do artista. “Eu vinha visitar a minha bisavó nesse apartamento onde eu vivo e eu ia na varanda e lembro que eu ficava extremamente impressionado com aquela estrada aérea flutuando no meio da cidade, na frente das janelas, tão perto das janelas”, detalha.


"Quando fiz 25, 26 anos, fui estudar urbanismo, eu fui estudar a cidade para pessoas. O Minhocão começou a fazer parte do meu trabalho. Eu comecei a usar o asfalto do minhocão para falar outras coisas”.

ASFALTO E ARTISTA


Nesse diálogo entre asfalto e artista, surge em 2010 a obra ‘Jardim Suspenso da Babilônia’, onde Morozini levou pétalas e folhas ao chão dos 3,4 km da via que foi criada na década de 70 contra a vontade dos moradores, como uma forma de expressar sua vontade de transformar o local em um lugar melhor.


O processo de criação foi gravado e transformado em curta-metragem premiado no Festival Babelgun em Nova York. Nas imagens é possível conferir Felipe Morozini ao lado de 21 pessoas carregando baldes de cal até iniciarem a intervenção urbana formada por 75 flores desenhadas no asfalto em 15 minutos.




A vista do apartamento, a tela cinza para suas obras e reflexões, e seu objeto de estudo: o Minhocão, foi transformado também em uma missão. Isso porque, Morozini foi nomeado diretor da Associação Parque Minhocão que tem como objetivo fechar definitivamente o viaduto para a passagem de carros, alterando a dinâmica do local e o tornando um espaço de lazer, afinal, os moradores já recorrem ao espaço aos fins de semana quando a via é fechada para carros, sendo para muitos, a única opção para fugir da rotina.


Ainda assim, enquanto luta para tirar os veículos da via expressa, mais arte surge. Em 2015, Morozini criou uma intervenção no Elevado Costa e Silva, levando uma sala de estar, uma de jantar e uma biblioteca infantil com mobiliário da Estar Móveis, para reforçar a ideia defendida pela Associação Parque Minhocão, criando um espaço de expressão cultural e artística.


Em 2016, o artista que já esteve envolvido na curadoria da Virada Cultural no Minhocão cria uma nova obra: ‘Só não sobrevivo só’, que assim como o ‘Jardim Suspenso da Babilônia’, surge no asfalto, com seu processo documentado em um vídeo em preto e branco mostrando as letras se formando sobre o chão. Veja!




EU SABIA QUE VOCÊ EXISTIA


Foram diversas intervenções, obras e projetos até a chegada de 2020. Estampada em camisetas, a frase “Eu sabia que você existia” primeiro percorreu as ruas nos corpos daqueles que podiam enxergar poesia nas simples palavras do artista, até ganhar espaço na empena de um prédio na Avenida São João, à beira do Elevado Presidente João Goulart, como parte do conjunto de obras do Museu de Arte de Rua (MAR).


O grande mural a céu aberto surge para “aprimorar a vocação da cidade para a produção de arte urbana e ampliar seu impacto positivo na cultura e identidade de São Paulo”, como diz o comunicado da Secretaria Especial de Comunicação publicado na época, além de servir como um enorme e contrastante lembrete de que em meio ao caos de uma metrópole e de tudo que ela abriga, você não é invisível.




O sentido da obra foi ampliado em abril deste ano, quando Morozini em parceria com a entidade de apoio a pessoas em situação de rua, SP Invisível, planejaram uma ação onde a arte urbana poderia dar visibilidade à situação da população de rua da cidade de São Paulo ao realizar projeções digitais nos murais “Eu sabia que você existia” entre 20 e 22 de abril com o apoio da Projetemos.


Em entrevista ao Antiquário Moderno, Morozini explicou como surgiu a idealização da exposição. “A ideia nasceu de uma constatação de que a frase falava exatamente sobre a mesma questão de reconhecer o outro, né? De saber a existência do outro. Então já tinha ali uma obra pronta para falar o que era para ser dito”.


Com isso, entre os dias 20 e 22 de abril, das 19h às 22h, período em que a via fica fechada para circulação de veículos e de livre acesso para pedestres, foram projetados nos murais as imagens e as histórias de William, Vinicius, Tamara, Pricila, Jean, Sandra, Rogério, Patrick, Miguel, Charles, José, Ubiratan e Lucas, pessoas que moram debaixo do elevado.




Morozini foi responsável por registrar as fotos das 13 pessoas retratadas na exposição, e explica que o processo não levou mais de 24h: “Pegamos um dia inteiro para ficar andando, fotografando, conhecendo, conversando e trocando”, revela o artista.


Ao ser questionado sobre como foi conhecer e eternizar em imagens as vidas desses homens e mulheres, Morozini destacou a emoção e a revolta como os sentimentos predominantes, assim como enfatizou o descaso do poder público com a situação.


“Para mim, como sempre, foi muito emocionante e muito revoltante. Você perceber que existe um problema crônico na cidade que você vive e que você vê ao longo de 40 anos na mesma situação, né? O descaso do poder público e a fragilidade dos moradores. Então, pra mim, assim, é um assunto bem forte e me tocou muito ouvir da boca dessas pessoas, aquela parte pequena do que pode acontecer com todo mundo na vida, que por um erro, por uma fatalidade, você acaba vivendo na rua.

Além das projeções, a SP Invisível e a Projetemos publicaram em suas redes sociais as trajetórias dos fotografados, assim, quem não pôde conferir a mostra pessoalmente, também teve a possibilidade de conhecer essas pessoas.


Falando sobre o quanto a ‘Eu sabia que você existia (Parte II)’ impactou os envolvidos e aqueles que puderam conhecer mais sobre a vida daqueles que vivem em situação de rua, Morozini detalhou: “Eu acredito que ela mobilizou uma quantidade tão grande de pessoas, foram feitas tantas doações e a gente recebeu tanta mensagem de pessoas que lutam pelo próximo. E é o que eu sempre falo se não tá bom para o outro, não tá bom pra mim. Então a gente tem que estar bem atento e forte, né? Para continuar essa luta”.


Até o momento da publicação desta matéria, Morozini não divulgou nenhuma próxima intervenção artística no Minhocão, ainda que a narrativa que se cria entre o artista e o local esteja longe de alcançar o seu capítulo final.












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